domingo, 18 de janeiro de 2009

imaginar a evidência


Álvaro Siza é um importante arquiteto português e possui muitos projetos na cidade do Porto. Entre eles destaca-se o conjunto de piscinas que fica em Leça da Palmeira. Siza diz um pouco sobre este projeto no livro "Imaginar a evidência", e reescrevo aqui um trecho do mesmo. 

"Poucos anos depois, a Câmara decidiu construir uma piscina, algumas centenas de metros a sul do restaurante, sempre ao longo da costa. Foi escolhido um local onde os rochedos se fechavam num pequeno lago, e foi encarregado do projeto o engenheiro Bernardo Ferrão, irmão de Fernando Távora. O qual, tendo compreendido o notável impacto do projeto na paisagem, decidiu utilizar a colaboração de um arquiteto, e inesperadamente, propôs à Câmara o meu nome. Inicialmente, o engenheiro Ferrão tinha desenhado uma piscina limitada por quatro muros.

Pelo contrário, o meu projeto pretendia optimizar as condições criadas pela natureza, que já ali tinha tinha iniciado o desenho de uma piscina. Era necessário tirar partido dos mesmos rochedos, completando a contenção da água somente com as paredes estritamente necessárias. Nasceu, assim, uma ligação muito mais estreita entre aquilo que é natural e aquilo que é construído. Todavia, graças à experiência anterior¹, aquilo que foi construído foi definido de uma maneira mais clara e autónoma.

Uma arquitetura de grandes linhas, de paredes compridas, buscava um encontro com os rochedos no lugar adequado. O objetivo consistia em delinear, naquela imagem orgânica, uma geometria: descobrir aquilo que estava disponível e pronto para receber a geometricidade. Arquitetura é geometrizar.

Ao mesmo tempo, era determinate resolver o problema do acesso. Dispunha de pouca profundidade, pois a estrada era muito próxima da costa. Além disso existia um muro, de pedra rebocada, com mais de uma quilômetro e meio de comprido, que separava claramente o nível da marginal do da praia. Para além do muro, só um estreito carreiro dividia a área da estrada da praia: como entrar? A solução consistia no desenho de percursos em ziguezague, que produz uma contraditória sensação de profundidade, decisiva na definição do ingresso no recinto.

Contextualmente, funcionava a variação da luz, obtida com a passagem gradual de uma zona no exterior para uma de penumbra que, finalmente, conduzia a um último percurso, já ao ar livre. Aqui os olhos dos banhistas eram protegidos da luz forte proveniente da praia, graças à presença de muros altos.


Chegava-se, então, a uma pequena ponte e depois à praia, epílogo do percurso que encontrava, na idéia de profundidade e no controle de luminosidade, os elementos essenciais de definição.

Foi precisamente a escassa profundidade da área de intervenção que fez com que as várias galerias em paralelo dessem uma extensão longitudinal ao projecto, que assim se tornou o prolongamento ideal do trabalho da Boa Nova², não obstante a distância de um quilômetro e meio.

Naquele momento, começava a tornar-se evidente a necessidade de coordenar as intervenções na zona, a fim de que esta relação e o caráter do lugar não se perdessem. Elaborei então um plano já em 1974, que contudo nunca foi levado para diante. A mudança dos responsáveis camarários e a anulação, na época, da proibição de construir naquela área, de fato puseram fim às aspirações do plano, e eu não voltei a ser consultado pela Câmara de

 Matosinhos. Deu-se início, tristemente, a um loteamento que deformou o espírito do lugar, e a possibilidade de aqueles espaços livres contituírem reserva fundamental para infra-estrutura e parques de estacionamento. Todavia um fragmento daquele plano, o monumento a Antônio Nobre, após muitos anos, foi construído. O escultor encarregado do desenho do monumento, Barata Feio, tinha-me pedido para escolher o local. Decidi aquela colocação quer pela proximidade do Boa Nova, lugar ligado a Antônio Nobre e de notável qualidade paisagística, quer, sobretudo, para promover o ordenamento daquela zona. De fato, este era o primeiro passo para a ocupação dos terrenos vizinhos. O monumento foi inaugurado, mas o arranjo paisagístico foi sendo sistematicamente adiado.

Esta primeira e estimulante experiência de trabalho, com a natureza e as pré-existências, permitiu-me sentir a indivisibilidade entre ambiente e organização do espaço, não obstante a presença de fortes pressões que, geradas por interesses econômicos, se empenhavam em intervenções desconexas, destruindo a continuidade do território."

__________________________________________________________

¹ referente ao projeto Boa Nova, casa de chá.

² casa de chá




3 comentários:

jon disse...

Eis que as mentes humanas colocam no mundo físico o desconexo e o aleatório que permeiam o mental, e por fim terminam destruindo a conexão com o ambiente que há muito nos antecede e abriga.

iluminati disse...

triste essa ser a historia da maioria dos projetos bons

Gabriel disse...

Oi Amanda, tudo bem?

Seu ponto de vista sobre as coisas é muito ávido. Procurar motivações e alterações em coisas que não deveriam mudar...

Como vc tá?